top of page

Conjugalidade na pós modernidade e o fenômeno da contratualização da conjugalidade




A pós-modernidade é um conceito que tem despertado considerável interesse nas Ciências Humanas, e sua discussão, embora relativamente recente em termos de popularização do termo, já se estabeleceu no âmbito acadêmico e na vida cotidiana.

Apesar das diversas abordagens dos estudiosos sobre o tema, cada um oferecendo uma perspectiva única e original para compreender o período atual, boa parte do pensamento teórico e crítico dos principais autores nesse campo caracteriza a era contemporânea como um tempo de mudanças sociais profundas em diversos âmbitos, como educação, tecnologia, arte, ciência, política e economia . [1]

Além disso, o período pós-moderno é reconhecido por sua capacidade de alterar as estruturas menores e por estabelecer novos padrões de interações, discursos, caminhos profissionais e pessoais, além de introduzir novas experiências e sentimentos na vida cotidiana.

A reflexão sobre a pós-modernidade é significativa, pois busca descrever o momento presente, a situação atual, incluindo o desafio de compreender como certos contextos sociais amplos influenciam os sentimentos, as vivências e os comportamentos das pessoas neste mundo contemporâneo. Dessa forma, não se trata de investigar um passado histórico, mas sim de revelar a dinâmica dos acontecimentos atuais e como eles impactam as trajetórias de vida em curso neste momento. Essa abordagem tem seus méritos, pois permite analisar certos aspectos do mundo atual que não podem ser ignorados. [2]

O estudo da conjugalidade na pós-modernidade é de suma importância devido às transformações significativas que têm afetado as relações amorosas e matrimoniais neste período. Na contemporaneidade, as relações conjugais passaram por uma série de mudanças em função de uma sociedade cada vez mais plural e diversificada. Com a valorização da autonomia individual, a desconstrução de padrões tradicionais e a maior liberdade de escolha, as relações amorosas adquiriram novas formas, ampliando os modelos de família e relacionamento.

Ao compreender e estudar a conjugalidade na pós-modernidade, torna-se possível analisar as dinâmicas dessas relações em um contexto marcado pela fluidez, pela busca da felicidade pessoal e pela diversidade de configurações familiares. Isso inclui a análise de arranjos familiares não convencionais, como as uniões livres, relações homoafetivas, famílias monoparentais, entre outros.

Além disso, entender a conjugalidade na pós-modernidade permite explorar como fatores como a tecnologia, a globalização, as mudanças nos papéis de gênero e a emancipação individual influenciam as relações amorosas e conjugais. A partir desse estudo, é possível propor reflexões sobre a adaptação das instituições sociais, do Direito de Família e das políticas públicas para atender às necessidades das novas configurações familiares e às demandas dos indivíduos neste contexto contemporâneo. Em resumo, estudar a conjugalidade na pós-modernidade é crucial para compreender as transformações das relações amorosas e matrimoniais, e como essas mudanças impactam a vida das pessoas e as estruturas sociais.

No contexto da pós-modernidade, o planejamento matrimonial adquire uma importância singular devido às transformações nas dinâmicas das relações conjugais. Antes mais centrado na ideia de estabilidade e permanência, o casamento atual é influenciado por uma série de variáveis, como a individualidade, a diversidade de modelos de família, a busca pela felicidade pessoal e a fluidez das relações.

Nesse cenário, o planejamento matrimonial vai além das preocupações financeiras e patrimoniais, incluindo também a discussão sobre as expectativas, valores, desejos e limites de cada parceiro. Torna-se essencial estabelecer um diálogo aberto e honesto sobre as perspectivas em relação à vida a dois, as responsabilidades, o papel de cada um na relação, a gestão das finanças, a educação dos filhos, entre outros aspectos relevantes para a convivência harmoniosa.

Além disso, o planejamento matrimonial na pós-modernidade pode contemplar a elaboração de acordos pré-nupciais ou contratos de convivência que vão além da esfera patrimonial, incluindo cláusulas que abordem aspectos emocionais, comportamentais e até mesmo espirituais. Estes contratos, muitas vezes chamados de contratos existenciais, buscam prever não apenas a divisão de bens em caso de separação, mas também a forma como o casal deseja conduzir sua vida afetiva, definindo suas expectativas, compromissos e metas no relacionamento.

Assim, o planejamento matrimonial na pós-modernidade se apresenta como uma ferramenta crucial para os casais, permitindo uma reflexão profunda sobre as expectativas individuais e compartilhadas, facilitando a construção de uma relação mais consciente, flexível e alinhada com os anseios e valores de cada parceiro.


Breve retrospectiva histórica do conceito de casamento e suas transformações na pós-modernidade.


Ao adentrarmos na análise do cenário contemporâneo das relações conjugais, torna-se fundamental compreender a trajetória e a metamorfose que a conjugalidade experimentou ao longo do tempo.

A instituição do casamento, ao longo dos séculos, passou por transformações significativas, refletindo os movimentos sociais e culturais.

Desde sua concepção tradicional até a contemporaneidade pós-moderna, o casamento deixou de ser apenas uma instituição normativa para se tornar um reflexo das mudanças de valores, das novas configurações familiares e das demandas individuais.

Logo, entender essa evolução histórica não só nos oferece uma visão abrangente das relações conjugais na atualidade, mas também nos permite contextualizar os desafios e as complexidades enfrentadas pelas estruturas familiares neste novo panorama.

Em tempos remotos, a validação de uma família estava intrinsecamente vinculada à celebração de um matrimônio religioso. Com o passar dos anos e o desvencilhar entre Estado e Igreja, o casamento evoluiu para uma forma civil e heterossexualmente estruturada.

Essa transição marcante, da instituição matrimonial exclusivamente religiosa para o âmbito civil, moldou não apenas a concepção de família, mas também influenciou significativamente as leis e as perspectivas sociais sobre o que era considerado legítimo e reconhecido como uma unidade familiar formalmente constituída.

Em épocas passadas, a instituição do casamento era amplamente concebida com a finalidade primordial de garantir a procriação, impulsionada principalmente pela influência normativa da igreja.

Além de regularizar as relações sexuais entre os cônjuges, o matrimônio era encarado como um instrumento para fins secundários, tais como a educação dos filhos, a atribuição de nome ao cônjuge e até mesmo como uma forma de reparação dos erros ou faltas cometidos no passado. Dessa maneira, para além do propósito procriativo, o casamento carregava consigo um conjunto diversificado de responsabilidades e expectativas, assumindo papéis sociais múltiplos que iam além da mera união entre duas pessoas.

Segundo Fernanda Las Casas, Álvaro Villaça Azevedo explica que em sua obra, "O casamento em Roma era um fato social realizado sem qualquer formalidade oficial ou celebração pelo Estado Romano" (APUD Las Casas, 2022, Revista IBDFAM : Família e Sucessões. V.53 (set.out) Bimestral – Belo Horizonte, p. 76).

Prossegue Las Casas explicitando que Adriana Caldas do Rego Maluf assevera que “o concubinatos era muito comum entre os romanos, uma vez que não se verificava o affectio maritalis e, apesar do concubinato ser ignorado pelo Direito da época, era amplamente aceito na sociedade romana (APUD Las Casas, 2022, Revista IBDFAM : Família e Sucessões. V.53 (set.out) Bimestral – Belo Horizonte, p. 77).

Na idade média, a fundação das bases familiares era fortemente moldada pelos preceitos e dogmas da igreja. A definição e o reconhecimento de uma família, por conseguinte, estavam estritamente atrelados à realização do casamento religioso. Esta prática sacramental, imposta pela igreja, tornou-se um requisito essencial para a constituição de uma unidade familiar legítima. Dessa forma, prevalecia, na sociedade medieval, a definição de uma família pela concretização do matrimônio religioso. [3]

Durante os séculos X ao XVI, o Direito Canônico desempenhou um papel dominante na regulamentação do casamento e do divórcio. A validação do matrimônio era frequentemente associada à consumação física da união. No que tange ao divórcio, as percepções sobre sua admissibilidade passaram por mudanças ao longo desse período. Inicialmente, a anulação era concedida pelo Papa em casos específicos, como a não consumação do casamento. Contudo, após o Concílio de Trento, houve um redirecionamento na abordagem do divórcio dentro da doutrina canônica. Parte da interpretação doutrinária começou a admitir o divórcio em situações de adultério, expandindo assim os cenários nos quais a dissolução matrimonial poderia ser considerada legítima. [4]

Com a assinatura pelo rei francês Henrique IV do Édito de Nantes (1685), o casamento perdeu seu caráter sacramental, marcando o início da mudança na natureza do casamento, antes exclusivamente ligada à esfera religiosa. O Édito de Nantes foi um divisor de águas, transformando o casamento de um assunto estritamente controlado pela Igreja para se tornar um tema também regulamentado pelo Estado, saindo do domínio eclesiástico e adquirindo um caráter mais abrangente e regulado pelas instâncias governamentais. [5]

Após a colonização portuguesa, o Brasil passou a ser regido pelas Ordenações do reino de Portugal, que se tornaram as principais normas legais, influenciadas pelo Direito Canônico, Romano e Germânico. Essas ordenações carregavam consigo fortes influências desses sistemas jurídicos. No entanto, um marco significativo ocorreu com o Decreto n. 181 de 1890, que alterou profundamente o cenário matrimonial no país. Foi durante o governo do Marechal Manoel Deodoro da Fonseca que a lei foi promulgada, extinguindo o casamento exclusivamente na forma religiosa. Esse decreto instituiu o casamento civil no Brasil, estabelecendo algumas exigências para aqueles que buscavam contrair matrimônio. A partir dessa mudança, os cidadãos interessados em se casar passaram a ter que se habilitar perante o oficial de registro civil, apresentando a documentação necessária para formalizar a união matrimonial. Este marco legal representou um passo significativo na separação entre o casamento e a esfera religiosa, fortalecendo a importância e a validade do casamento civil no país. [6]

No Brasil, durante grande parte de sua história, o casamento era considerado indissolúvel, seguindo princípios enraizados na moral religiosa e refletidos no Código Civil de 1916.

Até o ano de 1977, o casamento era considerado indissolúvel no Brasil, refletindo uma legislação que remontava aos resquícios coloniais das Ordenações do Reino. Estas, profundamente influenciadas pelo Direito Canônico, concebiam o casamento como um sacramento, sem espaço para a dissolução. Essa perspectiva legal, fortemente impregnada pela visão religiosa, prevaleceu por um longo período na legislação brasileira, estabelecendo a indissolubilidade do vínculo matrimonial e refletindo as influências históricas e culturais presentes nas ordenações desde a época colonial. [7]

Mesmo com o advento da Lei 6.515/1977, a dissolução matrimonial era extremamente restrita, sendo admitida apenas mediante separação judicial, a qual não permitia a celebração de um novo casamento.

Além disso, o código de 1916 embasava-se na discussão da culpa pela dissolução conjugal e quebra de deveres conjugais, como fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos.

A rigidez dessas disposições legais tornava o processo de dissolução matrimonial extremamente complexo e limitado, submetendo os cônjuges a um longo e muitas vezes doloroso processo judicial, reforçando a ideia da indissolubilidade do casamento como um pilar da estabilidade familiar na época.

A Constituição Federal de 1988 representou um marco significativo na transformação da realidade do casamento no Brasil, especialmente na era pós-moderna.

Ao tutelar a dignidade da pessoa humana, a Constituição cidadã assegura a proteção e reconhecimento de diversas formas de família, refletindo a pluralidade e a diversidade presentes na sociedade brasileira.

O artigo 226 da Constituição estabelece que a família é a base da sociedade, sendo reconhecida não apenas a família constituída pelo casamento, mas também aquelas formadas pela união estável entre homem e mulher, assim como entre pessoas do mesmo sexo.

Além disso, reconhece-se a proteção estatal às famílias monoparentais, compostas por apenas um dos genitores e seus descendentes, bem como às famílias reconstruídas, resultantes de novos casamentos ou uniões após a dissolução de relacionamentos anteriores.

A Constituição preconiza a proteção a todas essas formas de família, assegurando-lhes direitos iguais, independentemente de sua configuração, e garantindo-lhes a tutela e o apoio do Estado para a preservação de seus direitos e interesses. Essa proteção constitucional reflete a valorização da diversidade familiar e o reconhecimento da importância de cada arranjo familiar na construção e desenvolvimento da sociedade brasileira.

Esta Constituição também introduziu mudanças fundamentais no âmbito familiar, rompendo com a tradição anterior de indissolubilidade do casamento.

Ao estabelecer os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade entre homens e mulheres como fundamentos da República, a Constituição de 1988 abriu caminho para reformulações na legislação matrimonial. Especificamente, o artigo 226 da Constituição reconheceu a dissolubilidade do casamento civil, permitindo o divórcio, possibilitando a dissolução do vínculo conjugal por mútuo consentimento ou por via judicial.

Essa mudança constitucional refletiu uma nova perspectiva sobre as relações familiares na sociedade pós-moderna, oferecendo maior liberdade e autonomia para os indivíduos em suas escolhas matrimoniais. O reconhecimento do divórcio como um direito legal reforçou a noção de liberdade individual e de autonomia dentro dos relacionamentos conjugais. Além disso, essa alteração refletiu o reconhecimento da dinâmica e complexidade das relações humanas, possibilitando aos indivíduos o término de um casamento em situações nas quais antes estariam vinculados de forma indissolúvel.

A Emenda Constitucional nº 66, promulgada em 2010, foi um passo adicional significativo no processo de reformulação das leis matrimoniais no Brasil, fortalecendo ainda mais a dissolubilidade do casamento. Essa emenda introduziu mudanças substanciais ao suprimir a exigência de prévia separação judicial por determinado período de tempo (antes eram necessários ao menos dois anos de separação) para a realização do divórcio.

Com a Emenda 66, ficou estabelecido que a dissolução do casamento pode ser efetuada por meio do divórcio direto, ou seja, sem a necessidade de uma etapa prévia de separação judicial. Isso agilizou o processo de dissolução do casamento, conferindo aos cônjuges maior autonomia e rapidez para encerrar a relação conjugal.

O recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), proferido na sessão do dia 8 de novembro de 2023, estabeleceu uma importante decisão em relação à dissolução matrimonial no Brasil. De acordo com a definição do STF, as normas do Código Civil que abordam a separação judicial perderam sua validade após a entrada em vigor da Emenda Constitucional (EC) 66/2010.

. O STF determinou que, com a mudança constitucional, a separação judicial deixou de ser uma forma válida de dissolução do casamento, mesmo que as normas sobre o tema permaneçam no Código Civil. Esta decisão do STF representou uma simplificação no processo de dissolução do vínculo matrimonial, eliminando quaisquer requisitos temporais ou causais para o divórcio, enfatizando a vontade dos cônjuges como único requisito necessário para a dissolução do casamento.


A contratualização das relações conjugais


A evolução dos arranjos familiares, especialmente diante da crescente diversidade e pluralidade de famílias, tem conduzido à tendência inevitável de estabelecer contratos nas relações familiares.

Esse movimento é impulsionado pela necessidade de adaptar as estruturas familiares às novas realidades sociais, que não se limitam mais a um único modelo tradicional de família. A contratualização das relações familiares torna-se uma ferramenta importante para atender às necessidades específicas de cada grupo familiar, permitindo acordos personalizados e flexíveis que refletem os valores, desejos e dinâmicas singulares presentes nessas famílias diversas.

A contratualização das conjugalidades, portanto. é um tema significativo devido à transformação atual no direito familiar brasileiro, que está se movendo em direção a uma fase mais contratual, a fim de atender às necessidades das relações familiares.

Há uma busca por integrar nos pactos antenupciais, contratos de convivência e até mesmo contratos de namoro, cláusulas que abordem aspectos existenciais das partes envolvidas.

Essa mudança reflete uma adaptação às demandas e dinâmicas contemporâneas das relações familiares, visando estabelecer acordos mais abrangentes e personalizados entre os indivíduos.

A oportunização desses contratos pelos profissionais do direito incentiva os indivíduos a refletirem sobre o tipo de vínculo afetivo que desejam estabelecer, promovendo diálogos e reflexões a respeito desse tema.

Os advogados, ao proporcionarem essa possibilidade, incentivam as pessoas a terem conversas significativas sobre seus relacionamentos afetivos, auxiliando na definição e na compreensão mútua dos aspectos importantes para ambas as partes envolvidas.

Segundo Marzagão, “A contratualização das relações familiares representa, sem qualquer dúvida, a maior compreensão e expressividade da autonomia privada, que precisa ser, para fins ligados ao direito de família, compreendida em sua mais moderna tradução. Deve-se, assim, pensar em autonomia privada associada sob o viés da dignidade e da responsabilidade, já que é somente com essa trilogia que será possível que cada pessoa, construa, de fato, autonomia em todas as suas potencialidades. Assim, quando o direito privado passa a incorporar em suas bases também elementos de constitucionalidade, passa o indivíduo a deixar de ser compreendido como uma parte de um todo (família) para passar a ser ele próprio (tutela individual do ente familiar). Dentro dessa dinâmica, essencial e importante que cada aspiração humana individual comece a ser interpretada como passível de tutela e cuidado, de modo que a preservação da autonomia privada toma centro no ordenamento privado constitucional.” [8]

Após o Supremo Tribunal Federal ter encerrado a discussão sobre a culpa como requisito para a dissolução do casamento, houve uma mudança significativa na perspectiva das relações familiares. Essa decisão expressa do STF eliminou a necessidade de atribuir culpa a uma das partes para que o divórcio fosse concedido, abrindo espaço para um entendimento mais contemporâneo das relações matrimoniais.

Neste novo contexto, a necessidade de maior autonomia e protagonismo das partes envolvidas na vida conjugal torna-se evidente.

O princípio da autonomia privada, garantido constitucionalmente, emerge como um fundamento essencial. Ele confere às pessoas o direito de autonomia para estabelecerem as cláusulas e diretrizes que nortearão sua convivência matrimonial, tanto no momento da formação do vínculo como ao longo da relação.

Este princípio reconhece a capacidade das partes envolvidas de deliberar e tomar decisões de forma livre e autônoma, respeitando as individualidades e particularidades de cada casal. Com a valorização da autonomia privada, o casal ganha espaço para estabelecer seus próprios acordos e arranjos, personalizando suas relações e adaptando-as às suas necessidades específicas, sem a imposição de padrões preestabelecidos.

Dessa forma, a decisão do STF, somada ao princípio constitucional da autonomia privada, fortalece a importância do protagonismo dos indivíduos na definição das cláusulas que regerão sua vida conjugal, contribuindo para uma visão mais contemporânea, flexível e adaptável das relações familiares.


Cláusulas que podem ser inseridas em pactos antenupciais

As cláusulas inseridas em um pacto antenupcial podem variar consideravelmente de acordo com as necessidades, desejos e circunstâncias individuais de cada casal. Além das cláusulas comuns, como a escolha do regime de bens, outras cláusulas específicas podem ser estabelecidas para regular aspectos particulares do relacionamento e proteger os interesses de ambos os cônjuges. Aqui estão algumas cláusulas que podem ser incluídas:

  1. Regime de bens híbrido: Permite a combinação de características de diferentes regimes, como separação convencional com comunicação de certos bens específicos.

  2. Regime da comunhão parcial de bens com porcentagens diferentes: Estabelece proporções diferentes de participação na comunhão parcial de bens, adequando-se à realidade e às contribuições financeiras de cada cônjuge.

  3. Fundo monetário para administração de imprevistos: Define a criação de um fundo financeiro para lidar com despesas inesperadas ou emergenciais durante o casamento.

  4. Indenizações por cuidado do lar ou abandono do emprego: Pode estipular indenizações em caso de um dos cônjuges abandonar seu emprego para cuidar do lar ou dos filhos.

  5. Partilha de bens digitais/investimentos: Regula a forma como os bens digitais (como contas bancárias online, investimentos, propriedade intelectual, entre outros) serão compartilhados ou gerenciados em caso de divórcio.

  6. Formação de empresa: Estabelece regras específicas para a formação ou gestão de uma empresa conjunta pelos cônjuges.

  7. Cláusula de quitação recíproca (união estável anterior): Determina que possíveis direitos oriundos de uniões estáveis anteriores estão quitados para ambos os cônjuges.

  8. Cláusula de infidelidade: Pode estabelecer consequências em caso de infidelidade, como pagamento de indenização ou alteração nas condições do pacto antenupcial.

A inclusão de uma cláusula penal por traição no pacto antenupcial, por exemplo, representa a expressão da autonomia das partes e reflete o princípio do direito de família que busca a mínima intervenção estatal na esfera privada. Além disso, essa medida busca promover benefícios preventivos e fortalecer a confiança entre os futuros cônjuges.

Em janeiro de 2023, um casal de Belo Horizonte decidiu incluir uma cláusula de multa no valor de R$ 180 mil em caso de traição em seu pacto antenupcial. A decisão foi validada pela juíza Maria Luiza de Andrade Rangel Pires, responsável pela Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte, que autorizou a inclusão da cláusula no contrato. [9]

A juíza Maria Luiza Rangel Pires afirmou que embora essa cláusula possa parecer incomum para muitos, por sugerir um início de relacionamento marcado pela desconfiança mútua, é fruto da liberdade do casal em regular os termos de sua relação, considerando que o dever de fidelidade já está previsto no Código Civil Brasileiro.

Para a magistrada, é fundamental que o poder público intervenha o mínimo possível na esfera privada, permitindo que o pacto antenupcial seja uma ferramenta para que o casal decida o que melhor se adequa à vida que escolheram compartilhar.

Portanto, a inclusão de cláusulas específicas, como a penalidade por traição em um pacto antenupcial, ilustra a capacidade dos cônjuges de moldar as regras de sua própria relação, dentro dos limites legais e éticos. Essa medida reflete não apenas a liberdade de escolha, mas também ressalta a importância da autonomia e do respeito mútuo na definição dos termos que regerão sua vida conjugal. Ao permitir que os casais participem ativamente da formatação de acordos que atendam às suas expectativas, o sistema jurídico reconhece a relevância de garantir a liberdade e a personalização das relações, desde que não infrinjam os princípios fundamentais que regem a convivência humana e familiar.


Conclusão


Diante das transformações sociais, culturais e legais que caracterizam a pós-modernidade, é evidente que as relações conjugais não estão imunes a essas mudanças. A valorização da autonomia individual, a diversidade de modelos familiares e a busca pela felicidade pessoal influenciam diretamente a maneira como os casais se relacionam e se organizam em suas uniões.

A análise aprofundada das dinâmicas contemporâneas das relações amorosas e matrimoniais revela a necessidade de compreender e estudar a conjugalidade nesse contexto. Isso envolve não apenas entender as transformações das relações, mas também examinar como fatores externos, como avanços tecnológicos, mudanças nos papéis de gênero e a própria legislação, impactam essas relações.

A contratualização das relações conjugais surge como uma resposta a essas mudanças, permitindo que os casais estabeleçam acordos personalizados, abordando não apenas aspectos financeiros, mas também emocionais e comportamentais. A inclusão de cláusulas específicas, como aquelas relativas à traição em pactos antenupciais, exemplifica essa autonomia e personalização das relações, desde que respeitem princípios éticos e legais.

Assim, conclui-se que a conjugalidade na pós-modernidade não apenas reflete a fluidez e diversidade das relações atuais, mas também ressalta a importância de reconhecer a autonomia dos indivíduos na definição de seus relacionamentos. A contratualização das relações conjugais, quando feita de maneira consciente e respeitando valores fundamentais, representa uma ferramenta crucial para a construção de relações mais alinhadas às expectativas e necessidades individuais de cada casal. Essa evolução das relações conjugais reflete não apenas a complexidade do mundo contemporâneo, mas também a busca pela construção de vínculos afetivos mais conscientes e adaptáveis.

Ao considerar esses pontos, a compreensão e estudo contínuos da conjugalidade na pós-modernidade são essenciais não apenas para acadêmicos, mas também para profissionais do direito, saúde mental e assistência social, permitindo uma abordagem mais contextualizada e sensível das relações familiares na contemporaneidade.




[1] Vieira, Fernanda David. O que é a pós-modernidade? O discurso da teoria social e o que pensam os sujeitos pós-moderno / Fernanda David Vieira, 2012,página 23

[2] Vieira, Fernanda David. O que é a pós-modernidade? O discurso da teoria social e o que pensam os sujeitos pós-moderno / Fernanda David Vieira, 2012,página 23

[3] Las Casas, 2022, Revista IBDFAM : Família e Sucessões. V.53 (set.out) Bimestral – Belo Horizonte,77

[4] Las Casas, 2022, Revista IBDFAM : Família e Sucessões. V.53 (set.out) Bimestral – Belo Horizonte,77-78

[5] Las Casas, 2022, Revista IBDFAM : Família e Sucessões. V.53 (set.out) Bimestral – Belo Horizonte,78

[6] Las Casas, 2022, Revista IBDFAM : Família e Sucessões. V.53 (set.out) Bimestral – Belo Horizonte,80

[7] Delgado, Mário Luiz. Conjur. 40 anos do divórcio no Brasil: uma história de casamentos e florestas - https://www.conjur.com.br/2017-out-22/processo-familiar-40-anos-divorcio-brasil-historia-casamentos-florestas/ Acessado em: 20.12.2023


[8]Marzagão, Sílvia Felipe. Contrato Paraconjugal : a modulação da conjugalidade por contrato teoria e prática / Sílvia Felipe Marzagão – Indaiatuba – SP : Editora Foco, 2023



[8] Marzagãol, Sílvia Felipe. Contrato Paraconjugal : a modulação da conjugalidade por contrato teoria e prática / Sílvia Felipe Marzagão – Indaiatuba – SP : Editora Foco, 2023


Ficou com alguma dúvida? Preencha os campos abaixo e a nossa equipe em breve vai entrar em contato com você.




Comentarios


bottom of page